Delegado aponta 4 fatores principais para a gravidade da tragédia no RS
São eles: única porta, sinalizador, excesso de público e espuma do teto.
Polícia aguarda documento dos bombeiros e laudos periciais.
Tahiane Stochero
Do G1, em Santa Maria
Incêndio na boate matou 231 pessoas
(Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao
G1 que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia que matou 231 pessoas em
Santa Maria
durante uma festa universitária no último domingo (27). A combinação
que influenciou no grande número de mortos reúne falhas e exigências de
segurança desrespeitadas pela boate e pela banda, segundo ele. Até a
manhã desta terça-feira (29), mais de 30 pessoas já haviam prestado
depoimento na 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria.
saiba mais
Quatro pessoas foram detidas, com prisão temporária de cinco dias
decretada. Entre elas estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr e
Mauro Hoffmann. O vocalista e o responsável pela segurança do palco da
banda Gurizada Fandangueira também estão detidos. Os integrantes da
banda e Hoffmann foram transferidos para o Presídio de Santo Antão, a
cerca de 7 km do centro da cidade. Spohr está internado em um hospital
em Cruz Alta.
Para Vianna, quatro fatores, em especial, contribuíram para que o
incêndio na Kiss deixasse um número tão grande de vítimas: 1) o fato de a
boate ter apenas uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso
de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas
no local e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a
mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico, contribuindo
para as mortes.
Saída única
Sem saídas de emergência, a boate Kiss tinha apenas um acesso para
entrada e saída de pessoas. A porta, quando totalmente aberta, chegava a
uma largura de 3 m. Uma grade foi colocada para organizar a fila do
lado de fora e atrapalhou a passagem das pessoas.
Artefato sinalizador
A apresentação da banda Gurizada Fandangueira foi interrompida após o
grupo utilizar sinalizadores para uma espécie de show pirotécnico.
Segundo relatos de testemunhas, faíscas de um equipamento conhecido como
"sputnik" atingiram a espuma do isolamento acústico, no teto da boate,
dando início ao fogo, que se espalhou pelo estabelecimento em poucos
minutos. Segundo o estudante Murilo Tiecher e a fotógrafa Fernanda Bona,
o vocalista da banda segurou uma espécie de sinalizador. O baterista e o
guitarrista, em entrevista ao
G1, afirmaram que os integrantes da banda não manuseavam os fogos, apenas a equipe técnica.
Excesso de pessoas
Os bombeiros relataram que o limite ideal era de 691 pessoas dentro da
boate devido ao tamanho dela. O comandante do Corpo de Bombeiros de
Santa Maria, Moisés da Silva Fux, disse que a estimativa de público
presente no dia era de cerca de 1.300, mas ressaltou que só o laudo da
perícia deverá atestar o dado.
Espuma
A espuma usada no revestimento do teto pode não ter sido a apropriada.
De acordo com Moacyr Duarte, professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e especialista em risco e emergência, o ideal é que elas
contem com acabamento ignífugo, um tratamento têxtil que tem o objetivo
de retardar o fogo em caso de incêndios.
Documentos e laudos
"Ainda não recebemos nenhum documento do Corpo de Bombeiros sobre em
que fase estava o processo de renovação da licença da boate e se os
requisitos exigidos haviam sido atendidos. Também não nos informaram
ainda a capacidade, vamos trabalhar nisso nesta terça-feira (29)", disse
o delegado. A polícia entregou uma notificação à Prefeitura e ao Corpo
de Bombeiros para que os órgãos enviem todas as documentações referentes
à casa noturna.
A Polícia Civil também não recebeu os resultados das perícias do local e
dos corpos, que irão fornecer informações sobre se o sinalizador usado
pela banda provocou o incêndio e se "a espuma usada era ou não a mais
indicada" para o local, informou o delegado Vianna. "Ainda não temos
estes dados. Tudo isso será analisado", disse.
Em depoimento, jovens que estavam na boate no dia da tragédia afirmaram
que o integrante da banda responsável pela segurança do palco acendeu o
sinalizador e o deixou no chão e que, enquanto o gaiteiro tocava, o
vocalista pegou o sinalizador e levantou-o, segundo a polícia.
Segundo o delegado, ainda não há confirmação se o sistema de gravação
das câmeras eletrônicas da boate estava funcionando ou não no dia do
incêndio. "Dois CPUs foram apreendidos, mas não havia os gravadores dos
vídeos neles. A versão dos sócios é que, apesar das câmeras, o sistema
não funcionava", disse.
Nesta terça-feira, a delegada Luiza Santos Souza, que registrou as
mortes na madrugada de domingo, quando estava de plantão, continuará
ouvindo sobreviventes que estavam na Kiss naquela noite.
Prisões
O advogado Mario Cipriani, que representa Mauro Hoffmann, afirmou que o
cliente "não participava da administração da Kiss". Na manhã desta
segunda, outros dois integrantes da banda falaram sobre a tragédia. "Da
minha parte, eu parei de tocar", disse o guitarrista Rodrigo Lemos
Martins, de 32 anos.
Por meio dos seus advogados, a boate Kiss se pronunciou sobre a tragédia, classificando como "uma "fatalidade".
A presidente Dilma Rousseff visitou Santa Maria no domingo e decretou luto oficial de três dias.
O comandante do Corpo de Bombeiros da região central do
Rio Grande do Sul, tenente-coronel Moisés da Silva Fuch, disse que o alvará de funcionamento da boate estava vencido desde agosto do ano passado.
Em depoimento, Elissandro Spohr afirmou à Polícia Civil que sabia que o
alvará de funcionamento estava vencido, mas que já havia pedido a
renovação.
creditos: globo.com